A propósito do TTIP
Quando se quer mudar com o pelo do mesmo cão
Estive recentemente num debate sobre a Parceria Transatlântica (vulgo TTIP ou T-TIP) que juntou três personalidades de diferentes áreas, todos eles defendendo as virtudes do acordo entre os Estados Unidos e a Europa. Os argumentos e, principalmente, o seu peso na defesa do comércio livre entre os dois blocos variam bastante de acordo com as posições ideológicas e as visões do mundo de cada um.
O Professor Campos e Cunha, ex-ministro de um governo Socialista, focaliza a defesa do tratado nas questões do mercado e reforça a sua perspectiva com aspectos geo-estratégicos de um país que assume uma nova centralidade transatlântica. Refere as vantagens do novo comércio afirmando que o volume de comércio de substituição é, neste caso, muito reduzido. Não entrando em pormenores garante vantagens claras para a indústria portuguesa e europeia e para os próprios consumidores, não atribuindo grande importância aos problemas da regulação interna de cada bloco e filosofia de protecção dos cidadãos. Campos e Cunha levanta, ainda, uma questão que tem sido pouco abordada mas que é de capital importância: o problema da moeda e da taxa de câmbio. Os europeus não se podem esquecer dos gravíssimos problemas que essa mesma questão colocou no âmbito da entrada do Euro, com prejuízos claros para países como Portugal. O Professor Campos e Cunha refere que em acordos bilaterais como o TTIP, negociados entre os dois blocos com maior stock de capital, o reforço do comércio garante um poder importante face a outros blocos económicos, nomeadamente, o asiático, com a China e a Índia em grande evidência. Neste tipo de acordos, assegura Campos e Cunha, os ganhadores do processo devem compensar os que perdem, devendo ser previstos mecanismos de compensação. Considera ainda que, tipicamente, os países pequenos são os que ganham mais com os movimentos de comércio livre. Refere, ainda, a necessidade de ajustamento de alguns sectores da indústria portuguesa, como aconteceu em momentos anteriores, como quando da entrada na Comunidade Europeia.
O Professor de Economia da Universidade Nova defende uma visão muito centrada no mercado e na economia, aceitando o modelo imposto pela Organização Mundial do Comércio, de um mundo dominado pelos grandes grupos económicos mais preocupados em colocar os seus excedentes de produção e explorar a mão de obra de países subdesenvolvidos, do que em dar poder aos estados para regular o sector financeiro e libertarem-se do controlo económico a que estão sujeitos. O mundo mudou muito nas últimas décadas, com principal destaque para os primeiros anos do século XXI, mas a ideologia dominante quer manter um modelo de desenvolvimento assente no controlo da economia global pelos Estados Unidos com a colaboração imprescindível da Europa Comunitária. Será que é isto que convém aos cidadãos portugueses? Os Estados Unidos precisam de uma “guerra fria” permanente e de pequenas guerras em qualquer parte do mundo. Agora a preocupação é a Ásia pois já conseguiram afastar o Brasil da cena internacional. E a Europa não tem outras soluções? E Portugal não tem outros caminhos?
Um mundo melhor não é compatível com o fechamento em blocos económicos que desprezam uma parte substancial da humanidade: América do Sul, África, Austrália.
Não terá chegado o momento de uma nova ordem que resolva os problemas endémicos da fome e da desigualdade social? Elas próprias com forte presença nos Estados Unidos e em muitas partes da Europa.
A intervenção do Professor Tiago Moreira de Sá, docente do ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa) e especialista em História Moderna e Contemporânea, centrou-se nos aspectos geo-políticos do TTIP que se traduzem no estabelecimento de uma nova relação transatlântica entre a Europa e os Estados Unidos (manutenção da ordem internacional liberal) como resposta ao modelo de capitalismo de estado da China que, tudo indica, poderá conhecer um alargamento a outros países asiáticos. Na perspectiva de Tiago Moreira de Sá, Portugal terá tudo a ganhar com esta deslocação para o ocidente da própria Europa, uma vez que adquire uma posição estratégica essencial, quer ao nível dos transportes internacionais e europeus, quer no que respeita a sua base natural no Atlântico, as ilhas açoreanas.
É uma posição interessante, quanto a mim, mas, mais uma vez, muito marcada ideologicamente pela aceitação do domínio de uma super-potência, reconhecendo a incapacidade da Europa para impor um novo modelo de convívio internacional, tentando evitar dessa forma os constantes conflitos em que os Estados Unidos envolvem os seus parceiros da NATO (com ou sem mentiras à mistura e evitando as figuras tristes como a que Durão Barroso fez na cimeira das Lajes há anos atrás).
A última intervenção dos convidados da sessão, estava destinada à deputada europeia do PS, Ana Gomes. E podemos dizer que foi a pérola que faltava no painel. De facto, Ana Gomes, diplomata e com grande experiência política, evidenciou a permanente contradição em que mergulham as suas ideias. Afirma que o TTIP é um acordo fundamental para a Europa e dá a entender que deve ser assinado e aplicado. Reconhece inúmeros problemas associados a aspectos importantes, nomeadamente, a questão do ISDS (Investor State Dispute Settlement) e a questão fiscal. Defende que devemos lutar para melhorar o TTIP e não nos opormos simplesmente.
Ana Gomes diz querer um mundo regulado, um mundo mais fair-trade e menos free-trade. Diz querer acabar com a “balda” que se tem instalado e, nomeadamente, com o descontrolo que se reconheceu existir com a crise de 2008. Diz que o TTIP é para as PME’s. Diz que a negociação ainda está para durar e que devemos reforçar o papel do Parlamento Europeu nesta discussão.
Esta posição da deputada do PS é, quanto a mim, extremamente perigosa por todas as contradições que encerra.
Fala em acabar com a “balda” mas o TTIP foge da regulação das questões financeiras e introduz desregulação em muitas áreas, desde a utilização dos OGM’s (Organismos Geneticamente Modificados), até aos direitos e regalias dos trabalhadores e dos movimentos sindicais. Fala em resultados positivos para as PME’s, mas sabemos que quer a nível nacional, quer europeu, estas empresas têm sido muito pouco acarinhadas. Será o TTIP a vir trazer esse apoio? Custa a crer! Fala em tempo para melhorar o acordo e discutir as múltiplas implicações mas, simultaneamente, aceita que se aponte para a sua assinatura antes das eleições americanas em Novembro (como pretende Obama) numa operação política interna daquele país. Refere-se ao problema dos produtos com denominação de origem (Indicação Geográfica) mas ao não avançar com mais pormenores reconhece a dificuldade de fazer valer os produtos tradicionais europeus (muitos milhares de grande qualidade) no quadro do TTIP. Basta transcrever uma frase sobre o assunto colocada no site do CATO Institute: the protection of geographical indicators (GI’s) is slated to be one of the more contentious parts of the TTIP negotiations.
Depois de tanta argumentação a favor do acordo transatlântico chega-se à conclusão que a discussão terá que ser feita a nível de cada sector da economia e, em paralelo, ao nível das questões de comércio mundial, da geo-política e da defesa dos consumidores. Vamos a isso!
Rui Pulido Valente – 27 Fevereiro de 2016