Fala-se em atentados aos Direitos Humanos. Mulheres, crianças e jovens, são os mais vulneráveis e suscetíveis de sofrer os efeitos devastadores da guerra do capital.
Em Portugal, mais de 500 mil crianças e jovens perderam nos últimos anos o direito ao abono de família. Prestações de RSI e outros apoios foram igualmente cortados e diminuídos. A situação é ainda mais grave quando sabemos que eram precisamente os apoios sociais que mantinham tantas crianças e tantas famílias um degrau acima do limiar de pobreza. A fome espalha-se cada vez mais com a força de uma arma química, famílias perdem as casas, deixam de poder pagar os bens e serviços básicos, o acesso à saúde é uma miragem, crianças abandonam a escola. Mais de 30% das crianças e jovens portugueses estão em risco de pobreza e muitos já não têm acesso aos mínimos na alimentação, na saúde e na educação, vendo impunemente violados os seus direitos sociais e económicos.
Para fingir que resolvem todos estes problemas e como presente de entrada no Novo Ano por todo o sacrifício que os portugueses, tão estoicamente, têm aguentado, o governo apresentou várias propostas que, parece, resolverão os problemas do desemprego e da pobreza.
Os desempregados de longa duração e sem subsídio de desemprego que se alegrem. Ano Novo, vida nova. Diz o governo que vai alargar os programas ocupacionais do Instituto do Emprego e da Formação Profissional a todos os desempregados. Oferecem-se 8 horas de trabalho diário pagas abaixo do salário mínimo. Parece que é para fazer face a situações de exclusão e risco social, dizem.
E que não se queixem os visados. Ao que parece trata-se de trabalho 'socialmente relevante'. Explicar-me-á quem quiser o que é o trabalho 'socialmente irrelevante', mas adiante. Portanto, desempregados de longa duração, sem subsídio de desemprego, famílias monoparentais ou cônjuges desempregados não se preocupem! Logo, logo engrossarão as fileiras dos precários, explorados, mal pagos, humilhados, escravizados. E é melhor do que nada, dirão os senhores das camisas engomadas e botões de punho reluzentes que no lugar da consciência têm cifrões.
Entretanto, multiplicam-se pelo país, as iniciativas, privadas ou públicas, de oferta de algumas horas de trabalho a troco de comida. Não é esmola, apressam-se a explicar. As pessoas sentem-se úteis e quem oferece um quilo de batatas, outro de cebolas e dois pacotes de bolachas a troco de 2 ou 3 horas de trabalho é um bom samaritano, uma alma altruísta, um coração de ouro. Aplacam-se assim as dores da fome e a vergonha da miséria que este país sempre acudiu aos mais fracos. Sobretudo, amaina-se a possível revolta de quem já nada tem a perder. É preciso manter o povo sereno e todos sabem que não se morde a mão de quem nos dá de comer.
As estratégias do governo para o empobrecimento do país apresentam um tal requinte que quem está por baixo ainda agradece a possibilidade de participar no jogo. O objetivo passa por regressar ao país do início do século passado. Aquele onde os pobres agradeciam qualquer esmola, qualquer favor, qualquer trabalho a troco de qualquer coisa, convictos de que essa era a ordem natural das coisas. Sem contestar, sem manifestações, sem greves, sem direitos. Ordeiros e trabalhadores, os portugueses de então.
É desse povo que o governo, o Presidente da República e os senhores da guerra, precisam para manter oleada a máquina de fazer lucro. Por isso não perdem a oportunidade de elogiar o espírito de sacrifício dos portugueses, de louvar a sua capacidade de resiliência, de salientar as virtudes de uma vida simples e austera, de lembrar que mais vale um saco de comida na mão do que um estômago a roncar e de difundir incessantemente a mensagem de que estamos todos no mesmo barco rumo à salvação do país.
Mas esquecem-se, os senhores da guerra, que este povo tão ordeiro e trabalhador já disse basta várias vezes. Não terá medo de o fazer outra vez. Quem semeia ventos colhe tempestades e quem tudo tira a quem já nada tem arrisca-se a ser apanhado por um furacão.