Na surdina de um tranquilo e veraneante sábado bracarense foi colocada em segredo absoluto a estátua do nada saudoso cónego Melo.
O episódio de pura provocação reserva na sua essência uma perfeita caracterização da maldita personagem. Eduardo Melo Peixoto, apesar de homem de fé, não é alvo de adoração popular para merecer grandes festividades póstumas.
Quantas estátuas se ergueram neste país sem inaugurações, celebrações, anúncios, portos de honra, discursos e outras pompas e circunstâncias de ocasião? A resposta é clara, poucas certamente, e para ser honesto, creio mesmo que nenhumas.
Os responsáveis pela sua colocação, leia-se patronato paroquial e o Partido Socialista, sabiam que o teriam de fazer nas costas da cidade. Caso contrário, a estátua voltaria para o repouso onde esteve desde 2002, um armazém em Gaia.
O fogo lançado sobre sedes de partidos e organizações de esquerda, a repressão que as recém-nascidas organizações de trabalhadores foram alvo, a perseguição a todos aqueles que ousaram levar o espírito de Abril mais a norte e as bombas, as malditas bombas, que levaram o Padre Max e a jovem Maria Lurdes Correia, todas estas memórias e recordações tenebrosas encarregar-se-iam de relembrar que em democracia não há espaço para homenagear quem em sua profunda oposição construiu a sua obscura rede de poder.
Sim, o cónego Melo viveu, ergueu-se e impôs-se contra a República democrática e o seu sistema constitucional. Como militante de extrema-direita encarregou-se de construir e apoiar organizações terroristas, como o ELP (Exército de Libertação de Portugal) e o MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal) de Spínola, e de garantir que na sua zona de influência o paroquialismo, a subserviência e o ultraconservadorismo da velha senhora se mantivessem como regra.
O seu legado é uma pura ovação ao “deus, pátria, família”, não sendo, por isso, novidade que se tenha oposto a todos os democratas. Num comunicado, o ELP, organização que tutelava em parceria com o ex-subdiretor da PIDE Barbieri Cardoso, agradecia “a todos aqueles que, no CDS, PPD (atual PPD/PSD), PDC, igrejas, paróquias, bancos, etc., ou em iniciativas de carácter privado, têm apoiado a nossa justa luta, criando um clima propício para a nossa entrada em ação com o fim de limpar o País de todos os cães comunistas e traidores, que nos tentam impedir de sermos o que sempre fomos e de dispormos de nós como muito bem entendemos”.
Esse mesmo panfleto de Agosto de 1975, trazia ainda um peculiar agradecimento a Soares, onde se podia ler “és um tipo porreiro! Fica prometido que terás bandeira a meia-haste quando morreres... com um tiro na nuca!"
Por tudo isto, ninguém estranhou quando foi aprovado em 2008 um voto de pesar do CDS pelo falecimento do sacerdote, que os deputados do Bloco de Esquerda em companhia com alguns do PS e do PSD, como Manuel Alegre, João Soares, Emídio Guerreiro ou mesmo o atual ministro da Administração Interna Miguel Macedo, na altura deputado eleito por Braga, tenham abandonado o hemiciclo em protesto.
Tal como ninguém se surpreende que o Partido Socialista em Braga tenha feito de tudo para que esta estátua conhecesse a luz do dia – andou onze anos a batalhar por isso - mesmo com a contestação sublime da direita local, que se absteve na votação sobre a sua colocação, e com o profundo repúdio da esquerda política e social.
A decisão só mereceu, sendo digno de nota, o apoio entusiástico do PNR. Pouco lhes importa, Mesquita Machado muito lhe deve, isso ninguém nega.