Faz agora três meses que o líder do CDS assumiu a pasta da coordenação económica, voltando atrás na sua demissão. Anunciou que ficava no Governo para dinamizar um novo ciclo. A aposta no investimento e no crescimento, em rutura com o ministro Gaspar, foi a razão invocada pelo líder do CDS para revogar o irrevogável.
Não há nada de novo no novo ciclo. O Orçamento ontem apresentado é a negação de todas as razões invocadas por Paulo Portas para permanecer no Governo. O espírito de Vítor Gaspar voltou para assombrar o Orçamento. Mais impostos, menos salários e pensões, cortes na Saúde e Educação, ainda menos emprego. O novo ciclo é o mesmo ciclo recessivo.
O Governo fala em “ética na austeridade”, mas 82% dos cortes são feitos à custa dos funcionários públicos, dos reformados, da Saúde e da Educação. A banca e os monopólios da energia suportam apenas 4% do esforço. A austeridade não tem qualquer ética e os cortes nas grandes empresas não passam de uma fraca operação estética.
Três ideias bastam para resumir este Orçamento do Estado. É uma afronta, é um embuste e é um desvio colossal.
O Orçamento é antes de mais uma afronta ao Tribunal Constitucional. Os cortes salariais que os funcionários públicos suportam desde 2011 só não foram inconstitucionais por serem apresentados como transitórios e começarem muito acima do rendimento médio em Portugal. Pois bem, os cortes ontem apresentados não só começam nos 600 euros como são anunciados como uma medida “estrutural” e “permanente”. O Governo teima em afrontar a lei que garante o contrato social, o suporte de 40 anos de democracia em Portugal.
Este Orçamento é um embuste. Disse-nos Paulo Portas, há menos de duas semanas, que o ajustamento seria conseguido exclusivamente com “pequenas e médias poupanças”. Disse-nos mais. Que os cortes seriam no Estado e não nas pessoas. Embuste.
O Estado existe para servir as pessoas. Quando se corta na Saúde e na Educação não estamos só a aumentar os preços dos serviços que já pagamos com os nossos impostos, estamos a degradar a qualidade de vida dos cidadãos e a corroer o princípio da igualdade de oportunidades. Estamos, por isso, a corroer a base da democracia.
Os anunciados cortes no Estado são a reciclagem dos cortes nas gorduras prometidos por PSD e CDS na campanha de 2011. Hoje sabemos que as gorduras, para este Governo, são salários de 600 euros brutos.
Mas este Orçamento é também o do desvio colossal de todas as metas assumidas. Em 2012 o défice ficou nos 10 mil e 400 milhões de euros. Em nome do ajustamento financeiro o Orçamento de 2013 aplicou 5 mil e 300 milhões em medidas de austeridade. 5 mil e 300 milhões em impostos, cortes salariais e desemprego - e o défice nem desceu 900 milhões. Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar e a sua sucessora enviaram 4 mil e 400 milhões do nosso dinheiro diretamente para o lixo.
Os nossos sacrifícios não pagam o défice, causam a recessão que impede que isso mesmo seja feito. O empobrecimento da população portuguesa não está a cumprir qualquer objetivo que não seja o empobrecimento da população portuguesa.
O Governo diz que esta política de terra queimada é a única solução para o país reduzir o défice e pagar a dívida. Vejamos então os resultados de 3 anos de política de empobrecimento. Os impostos sobre o trabalho cresceram 30% e o défice teima em não descer. 500 mil postos de trabalho destruídos e a dívida não para de aumentar.
Se o Governo quisesse crescimento económico, como diz, não cortava os salários nem cortava as pensões.
Se o Governo quisesse investimento e emprego, como anuncia, teria baixado o IVA da restauração e não o IRC que apenas vai servir para subir a cotação bolsista das empresas com sede fiscal na Holanda.
Se o Governo tivesse a mínima preocupação de equidade social nunca baixaria, como o está a fazer, as despesas com o Rendimento Social de Inserção, Complemento Solidário para Idosos ou o abono de família.
Se estivesse Governo estivesse preocupado com o futuro do país não apresentava este Orçamento.
Esta proposta de Orçamento de Estado afronta a Constituição e o Governo é o primeiro a sabê-lo. A direita decidiu afrontar a lei para responsabilizar uma Constituição, que desde há muito quer alterar, pelo brutal falhanço da sua estratégia económica.
Estamos certos que, face à gravidade do que está em causa, o Presidente da República não deixará de encontrar razões acrescidas para garantir a fiscalização preventiva desta lei. É o que se espera de quem jurou defender a Constituição.
Pela nossa parte, só podemos rejeitar um Orçamento que hipoteca o futuro do país. Fá-lo-emos com todos os instrumentos disponíveis. Junto do Tribunal Constitucional com quem, como nós, quer defender a lei fundamental e os direitos que protege. Aqui no Parlamento, apresentado e defendendo propostas alternativas. Mas também na rua, nas manifestações já convocadas para 19 e 26 de outubro.
Declaração política na Assembleia da República em 16 de outubro de 2013